REFLEXÕES DA GROTA # 017
Há momentos em que ouvimos certas coisas que, ao seu modo,
sintetizam toda a encrenca excrementícia em que hoje nos metemos no mundo
contemporâneo. Uma delas foi-me dita, recentemente, por um grande amigo, que há
muito não via. Disse-me ele que, hoje em dia, em termos de comunicação,
considera-se muito mais importante ser mais rápido do que estar certo. Que
merda. Bem, não é à toa que a “cultura” da “lacração” e da “mitagem” tenha
tanto destaque nestes pútridos dias em que vivemos, tendo em vista que, para
muitos, muitíssimos, o que interessa não é o que está sendo dito, mas sim, e
tão somente, como e o quão rápido e rispidamente isso ou aquilo acaba sendo
proclamado. Enfim, não é por acaso que vivemos atualmente uma vida de enganos
[e de auto-enganos] nesses dias de mentira, porque a verdade não é - e nunca
será - parida pela volúpia do imediatismo. A verdade é filha do vagar do tempo,
não da efemeridade do momento.
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Muitas vezes nos falta à dita cuja da ousadia. Os canalhas a
tem de sobra e sabem utilizá-la muitíssimo bem. Já as pessoas comuns -
mediocremente comuns - como eu e você, não há temos, nem mesmo um cadinho para
coçar a frieira do dedinho do pé. Podemos até ter uma visão mais lúcida, mas
essa, sem certa cara de pau, com o tempo deprime, esmorece, acanha-se e
desfalece num canto qualquer da vida.
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Estava eu, silente, num canto duma biblioteca. Aliás, é isso
que se espera de qualquer pessoa com um mínimo de semancol. Porém,
infelizmente, faz muito que não encontro nestes santuários a bênção do
silêncio. Na verdade, ouço cada coisa entre os livros que, bem provavelmente,
faria até mesmo o “Boca do inferno” ficar puto da vida. Bem, o barulho e a
inquietação nos dias de hoje são uma constante e, infelizmente, as bibliotecas
não são uma exceção à regra. Nelas encontramos pessoas reunidas para fofocar,
conversar, acessar o wi-fi (é claro) e sabe lá mais o quê. Tudo, tudinho, menos
permanecer calado, silente e simplesmente lendo. Dia desses, havia próximo de mim,
um grupelho de meninas. Crianças as quais não conhecia e não conheço e, em meio
a uma e outra provocação que faziam uma para outra, uma disse, em alto e bom
tom, dentro do santuário do saber: “vá dar o c* pro fulano”! Ao ouvir isso,
naturalmente, as repreendi, dizendo: “Meninas! Aqui é uma biblioteca”. Creio
que elas nem haviam percebido minha presença. Imagino que ficaram com vergonha
– espero mesmo que tenham – e então, somente então, passaram a cultivar o
decoro exigido pelo local. Ou seja: se hoje os mancebos não sabem comportar-se
numa biblioteca é porque nós, adultos, não sabemos e não queremos utiliza-las
como bibliotecas e, por isso mesmo, não as ensinamos como agir numa.
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Quando uma pessoa diz que tem “ânsia por conhecimento”, o
que ela realmente está querendo falar, não é que ela ama procurar a verdade,
mesmo que lhe doa no garrão. O que a abençoada está afirmando é que ela é tão
tapada que, quando lhe falam em estudar, ou a respeito de algo que o valha, ela
passa mal e, praticamente, sente vontade de vomitar, porque estudar exige
humildade e dá algum trabalho. Enfim, o indivíduo apenas diz isso porque,
“sacumé”, pega bem na fita e impressiona as almas distraídas; mas, francamente,
não engana muita gente não.
Escrevinhado em 09 de
outubro de 2019,
por Dartagnan da Silva
Zanela,
diretamente do Fundo da
Grota – http://zanela.blogspot.com/
O mundo falante tá a solta mas vazio de conteúdo e respeito ao outro.
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