REFLEXÕES DA GROTA # 013
Uma fera selvagem é algo temível tanto quanto um inimigo [ou
um desafeto] que não mede esforços para ferrar com sua vida. Porém, tanto a
fera quanto o inimigo confesso acabam se assemelhando a docinhos de bar quando
comparados a um falso amigo. A razão disso, como todos bem o sabemos, é
simples: nós esperamos o mal dos primeiros e, por isso, procuramos sempre estar
preparados para um possível ataque traiçoeiro; no segundo caso, não há guarda
alguma de nossa parte, tendo em vista que a confiança é a base duma amizade,
seja ela verdadeira ou não.
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Não somos apenas herdeiros dos nossos antepassados. Somos,
também e principalmente, o fruto daquilo que fazemos com a herança que
recebemos. Pouco importa se ela é farta ou minguada; o que realmente interessa
é o que estamos realizando, e o que almejamos fazer, com aquilo que recebemos daqueles
que nos antecederam neste vale de lágrimas; em resumo, é isso que somos.
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Se nós não temos um ideal de vida para atingir, um propósito
para realizar, nós não passamos dum bostinha; e não adianta reinar. Digo isso,
porque um ideal de vida é uma régua através da qual mensuramos a solidez do
nosso caráter, a amplitude da nossa personalidade e a profundidade de nossa
alma. Trocando por dorso (ou por qualquer miúdo de sua predileção), se nós não
sabemos, nem vagamente, quem queremos ter nos tornado quando nossa vida findar,
esta terá sido uma vida, que poderia ter sido plenamente vivida, mas que não o
foi. Ou seja: poderíamos ter sido alguém, porém, por puro desleixo existencial,
teremos terminado nossos dias apenas como um bosta que não fede e nem cheira.
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Nós dialogamos com Deus não através da nossa personalidade
fragmentada e confusa, mas sim, por meio da imagem da pessoa plenamente
realizada que almejamos ser diante de Deus [com a Graça Dele]. Ora, se nos
sentimos plenamente satisfeito com o traste que somos, podemos até viver com o
santo nome do Senhor em nossos lábios; podemos, inclusive, imaginar que estamos
a tagarelar com Ele; porém, bem provavelmente, tal papagaiada metafísica será
tão só e simplesmente um eco de nossa leviandade fundamental.
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Se nós não temos um “eu ideal”, que nos propomos realizar em
nossa vida, por meio de nossos atos, ao invés de avaliarmos e julgarmos os
nossos feitos, malfeitos e intenções à luz desta imagem, acabaremos permitindo
ser julgados e condenados pelo falatório da sociedade, pelos círculos de escarnecedores,
que acabarão tomando o lugar daquilo que deveria ser, fundamentalmente, o
centro pulsante da nossa personalidade. É. Pois é fera. Por não termos um ideal
luminoso no âmago de nossa alma, acabamos sendo arruinados por qualquer merda
que coloquemos como centro de nossa vida.
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Todas as nossas ações são ordenadas a partir dum conjunto de
valores que se encontram no centro de nossa vida; que são o centro. Se
soubermos quais são esses paranauês, isso será show de bola; um sinal de grande
maturidade. Todavia, infelizmente, não é bem assim que a banda toca na maioria
das vezes. Na grande maioria dos casos, agimos movidos por valores que, ao seu
modo, ocupam um pequeno espaço no centro de nossa alma, ao mesmo tempo em que
estamos com nossa atenção voltada para inúmeros outros que, por sua deixa,
também tem seu quadrado no latifúndio dos átrios que pulsam em nosso peito.
Porém, pelo fato desse primeiro ser um valor central e, ao mesmo tempo,
desconhecido por nós, ele acaba por converter-se num baita dum ponto cego que
acaba por macular tudo o que realizamos, principalmente aquelas tranqueiras que
fazemos com toda boa vontade do mundo. Enfim, por isso, imagino eu, que estava
inscrito nos umbrais do Oráculo de Delfos que deveríamos conhecermo-nos a nós
mesmos; e é por essa mesma razão, penso eu, que Santa Madre Tereza de Calcutá
dizia que de boa vontade os círculos do inferno estão cheios até o talo.
Escrevinhado em 03 de
outubro de 2019,
por Dartagnan da Silva
Zanela,
diretamente do Fundo da
Grota – http://zanela.blogspot.com/
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