SOMOS MAIS DO QUE ISSO
Existem certas frases que são repetidas a exaustão nas mais
variadas ocasiões e circunstâncias e que, de certa forma, são aceitas por nós como
sendo a mais pura e cristalina expressão da verdade; porém, no frigir dos ovos,
não são nada disso.
Uma delas é aquela que reza que nós, brasileiros, não gostamos
de política; que política, religião e futebol não se discutem.
Cresci ouvindo isso e, até certa altura da minha porca vida,
repetia o dito como se expressasse fielmente a realidade.
Pois é. Basta que paremos um cadinho para olhar o mundo a
nossa volta para constatarmos que, se há uma coisa que o brasileiro gosta de
discutir, é sobre a dita cuja da política.
Seja nos botecos, ou na intimidade das famílias, as pessoas,
dum modo geral, acabam sempre parlando sobre o assunto.
Há quem diga que isso seja um fenômeno da atualidade,
motivado pelas tais redes sociais. Bem, tal observação não me parece, assim,
tão exata.
Puxando pela ideia, como a gurizada diz por aí, lembro-me vivamente
da imagem dos meus tios, tias e nonos discutindo sobre quem poderia ser um bom
presidente para o nosso triste país em 1989. E as cenas que agora assaltam a
minha memória, posso lhes garantir, são um trem lindo de se ver, digo, de
rememorar.
Bah! Lembro-me, inclusive que meu nono havia pintado o nome
do senhor Leonel de Moura Brizola na carreta do seu trator só para provocar o
seu vizinho e que, todo fim de tarde, eles, familiares e amigos, se reuniam à
sombra dum pé de sinamão para matear e conversar sobre aquele assunto que
[supostamente] ninguém discute nessas plagas.
Abre parênteses. No fundo, eu acho que nós dizemos isso por
pura dissimulação. “Sacumé”: brasileiro tem dessas. Fecha parênteses.
Outra expressão que muitas vezes é repetida, sem ser
devidamente ponderada por nós, é aquela que afirma que há em nosso país um
profundo clima de intolerância, especialmente de intolerância religiosa.
Em várias ocasiões, onde me entregava às delícias das
conversas vadias, e o assunto em pauta acabava sendo aquele outro tema que não
se discute nestas terras - questões de ordem religiosa – rapidamente, alguém
acabava jogando no meio da roda a dita cuja da frase: “o problema é que existe
muita intolerância religiosa em nosso país”.
Quando ouvia isso, sonsamente perguntava ao sujeito: quantas
vezes você realmente brigou com alguém, ou alguém brigou com você motivado por questões
religiosas? Quantas vezes você testemunhou algo desse gênero? Quantos relatos
fidedignos desse tipo de ocorrência lhe foram relatados?
Invariavelmente a resposta era uma só: nenhuma.
Sim, as pessoas têm divergências religiosas e, muitas vezes,
discutem e discordam acaloradamente sobre o tema, mas, raramente, para não
dizer nunca, tais discussões se manifestam de forma brutal em relação àqueles
que não têm os ponteiros alinhados.
Aliás, repare numa coisa curiosíssima. Nas famílias
brasileiras, atualmente, encontramos pessoas dos mais variados matizes
religiosos e, mesmo assim, continuam sendo o que são: uma família.
Às vezes, uma vez ou outra, o leite até azeda por uma e
outra discussão, porém, num curtíssimo prazo, logo tudo volta como dantes no
âmago das famílias dessa terra de Abrantes.
Tudo devidamente ponderado e observado nos leva a
constatação que, sim, gostamos muito de discussões em torno de assuntos políticos;
apenas não levamos isso tão a sério como os doutos diplomados gostariam que
levássemos. Da mesma forma que também gostamos de prosear sobre religião,
porém, sem irmos às raias da intolerância e do fanatismo, como pensam os
criticamente críticos que, no fundo, toleram apenas aqueles que estão
consonantes com as ideias progressistas e delirantes deles.
Seja como for, creio que é importantíssimo lembrarmos que as
relações humanas na sociedade brasileira são muito mais complexas, vivazes, intensas
e interessantes do que pressupõe as frases feitas tidas como clarividentes.
Opa! Então isso significa que somos uma sociedade perfeita,
linda, cheirosa e fofa? Claro que não. Temos inúmeros defeitos, enquanto
sociedade e como indivíduos. Porém, não são esses - a intolerância e o
indiferentismo - que muitas vezes são imputados no lombo da gente. Não mesmo.
Escrevinhado por
Dartagnan da Silva Zanela,
em 25 de novembro de 2019.
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