NÃO HÁ HABEAS CORPUS NO INFERNO
O bacharelismo canhestro que, desde muito, impera nessa pátria
de tupinambás e botocudos é, de fato, uma erva-daninha bem xarope que não há
quem livre essas terras em que se plantando tudo dá.
É de causar um reboliço no estômago ver gente chique e
elegante, quer dizer, uma galerinha cafona e irritante, com toda aquela
afetação de superioridade, com seus chiliques de desprezo, explicar, digo,
esnobar na cara do cidadão acebolado que ele nada sabe a respeito deste babado chamado
direito.
Quando vejo isso sendo manifesto, frente à incompreensão
dalgo que, com o perdão do termo, realmente é difícil de engolir, onde algumas figuras
posam, com todo aquele artificioso ar de “otoridade”, dizendo o óbvio ululante,
ignorando que, no frigir dos ovos, tal atitude apenas aumenta mais e mais a
indignação frente ao emaranhado de absurdidades que, neste triste país,
traveste-se com os andrajos rotos duma tal de normatividade.
Diante de tais acontecimentos, há dois pontos que, peço
licença para lembrar; dois pontos que, ao menos no meu parvo entendimento, parecem
ter alguma relevância, nem que seja apenas para o desenvolvimento dessas linhas
mal escritas.
Cresci e vivo entre pessoas simples e, com elas aprendi, que
toda pessoa que zela pelo seu nome, e que procura ser boa e honrada, esforça-se
por reger sua jornada nesse vale de lágrimas à luz dos Dez Mandamentos que nos
foram dados pelo Senhor, e isso, dizem eles, seria mais do que suficiente.
Confesso: concordo com eles.
E tem outra. Segundo dita a sabedoria não diplomada dos simples,
toda essa gente que se esmera por demais em escarafunchar os meandros e brechas
presentes nas leis dos homens, boa gente não é e, provavelmente, boa intenção não
tem; e não é porque o infeliz seja ruim da cabeça ou doente do pé.
Tal observação que é feita apenas pelas almas simples destes
rincões de nosso não tão amado país, também se faz presente num diálogo do
filme “O advogado do diabo”; uma conversa entre o advogado e o cão. Neste
bate-papo, o primeiro pergunta: “por que a lei”? E então o pé sujo, lacônica e
cinicamente responde, batendo a língua nos lábios, feito uma serpente: “porque
ela, a lei, nos permite fazer tudo”.
Pois é, mais claro que isso, só dois disso.
A modernidade tem dessas. Ela fomenta em nossa alma uma
baita soberba, por meio de truncados arranjos mil, que nos ajudam a esquecer o
tal do juízo Divino que, cedo ou tarde, um dia chegará para todos nós.
É. Pode-se desdenhá-lo, sim, mas não temos como evita-lo. E,
tchã tchã, não há recurso pra isso.
Enfim, para os simples, que vivem suas vidas de modo pacato,
uma única palavra basta e Dez Mandamentos são mais do que suficientes; já para
almas maliciosas, que vivem de esquemas e tretas sem fim, mil e um vocábulos,
trocentas instâncias, recursos infindáveis, juntamente com entendimentos sofísticos
nada sofisticados, muitas vezes, ainda, não são o bastante para justificar os
seus desatinos e disparates. Porém, nestes casos sempre haverá uma ilustrada
alma para uma brecha encontrar e o seu da reta tirar.
Escrevinhado em 12 de novembro de 2019.
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