A TRISTEZA DE DOM QUIXOTE
Toda vez que ouvimos o termo “burguês”, a primeira
imagem que nos vem à mente é a de uma classe social. Tal imagem, em si, não é incorreta;
porém, a burguesia, o aburguesar-se, é muito mais do que apenas uma referência
a uma determinada posição socioeconômica ocupada por um indivíduo; é, antes de
qualquer coisa, um estado de espírito.
É próprio deste quadro que o indivíduo acabe agindo
de modo avaro, movendo-se meramente por impulsos sensuais. Quadro este que se
manifesta das mais variadas formas e, por vezes, muitos daqueles que acreditam,
sinceramente, estarem combatendo a tal da burguesia, não fazem outra coisa
senão reforçar essa mentalidade e, por fim, acabam, também, aburguesando-se.
Neste sentido, o espírito burguês não é
característico duma única classe social. Ele se faz presente em todas, pois
esse espírito se caracteriza pelo fato de que os indivíduos imersos nele
encontram-se mui satisfeitos com a nulidade existencial, mas jamais estão
contentes com aquilo que possuem em termos materiais; bem ao contrário do
espírito aristocrático, onde os indivíduos veem-se satisfeitos com aquilo que
tem, mas vivem incomodados com o que são, pois tem em vista que sempre podemos
nos tornar pessoas melhores do que somos.
Nesse sentido, as sociedades democráticas acabam se
vendo condenadas a cair, com o tempo, numa tirania, ou numa oclocracia (governo
das massas), devido à disseminação irrestrita do espírito burguês e o
consequente esfacelamento, e mesmo discriminação e condenação, do espírito
aristocrático.
Por meio desse processo psicossocial, os meios acabam
por serem convertidos em fins e os fins reduzidos unicamente a obtenção de
meios, o que, por sua deixa, acaba levando a formação dum ambiente onde impera
o egoísmo travestido de cidadania, e a sede por prazeres acaba sendo fantasiada
com toda ordem de justificativas coletivistas.
Qualquer semelhança com as desventuras
contemporâneas, não é mera coincidência. Não mesmo.
Por essas e outras que o filósofo brasileiro, de
tendências anarquistas, Mário Ferreira dos Santos, dizia que para podermos
atuar de modo mais efetivo e autônomo numa sociedade democrática, deveríamos nos
guiar por valores e sentimentos aristocráticos e não, como aconteceu, e está
acontecendo, de sermos contaminados pela vileza advinda do aburguesamento, porque
este apequena a alma, enquanto aquele fortalece e dilata o espírito.
Ao seu modo, o aburguesamento geral infantiliza a
sociedade por instigar as pessoas a viverem unicamente numa perspectiva materialista,
imediatista e hedonista e, tal perspectiva, apenas degrada tudo o que é digno e
bom.
Não precisamos ser um estoico para perceber que um
indivíduo que coloca bens dessa ordem no centro de suas preocupações acabará,
com o tempo, se desfibrando. Não há dúvidas de que uma sociedade que celebra
valores dessa ordem é uma sociedade fadada ao esfacelando.
Enfim, se somos daqueles que acreditam que o dinheiro
compra tudo, e que não há poder superior a ele, é porque, bem provável,
estejamos confundindo meios com fins e que nos encontramos em vias de sermos possuídos
por esse íncubo burguês putrefaz, goste-se ou não disso.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela,
em 20 de maio de 2019.
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