REFLEXÕES CONSERVADORAS # 04



Há muito tempo atrás, um tio meu contou-me uma piadinha, sem muita graça, mas que, penso eu, bem ilustra o ponto dessa crônica.

Dizia-me ele que um caboclo, perdido, encontrou uma lâmpada mágica e, ao esfregá-la, apareceu um gênio que, em sinal de agradecimento, ofereceu a possibilidade de realizar um desejo do seu benfeitor.

Maroto, o caboclo pensou, pensou e disse: “Senhor gênio! Já sei o que desejo. Eu quero ter um pênis bem grande. Tão grande que ele seja capaz de tocar o chão”.

Ao ouvir o pedido, disse o gênio: “Que seja feita a tua vontade meu amo. Alacazam! Alacazim!”. E eis que rapaz teve, magicamente, as suas duas pernas amputadas.

Sim, como havia dito, o gracejo é horroroso, mas, penso eu, ilustra razoavelmente bem a quadra nada alvissareira em que nossa sociedade chegou.

De tanto valorizarmos nossos desejos mais baixos e rasteiros acabamos, sem o querer, amputando as nossas perdas, que seriam, nada mais, nada menos, do que a nossa herança cultural que, por sua deixa, nos dava sustentação.



Por soberba, em muito advinda de nosso cronocentrismo congênito, acabamos por nos esquecer que apenas podemos enxergar longe graças aos gigantes que nos antecederam e que, sobre os quais estávamos até antão sentados, como muito bem nos ensina Claude de Charters.

Pois é. Estávamos. Hoje, não mais.

Eugen Rosenstock-Huessy dizia que uma das funções da alta cultura é defender a humanidade de todos os tempos das pretensões, soberbas e totalizantes, da humanidade do tempo presente.

A alta cultura, as grandes tradições dum modo geral, nos comunicam simbolicamente os valores universais que, por sua vez, nos defendem contra as concepções particulares da época presente que se julga acima de todas as épocas.

Edmund Burke, ao seu modo e de maneira lacônica, afirmava o óbvio ululante: de que a humanidade como um todo sempre é mais sábia que o indivíduo; que o indivíduo acaba invariavelmente sendo mais tonto que a humidade de todas as Eras. Somente um tonto soberbamente modernoso não percebe isso.

Isso mesmo. A partir do Século das Luzes passou-se a cultivar uma devoção desmedida à capacidade racional do indivíduo humano em contraposição a experiência milenar por nós herdada.

Aliás, David Hume também nos advertia para o perigo que há nesse tipo de atitude que, bem pesada e medida, seria um gesto irracional e, por isso mesmo, imprudente. Desajuizado.

Resumindo o entrevero, o culto da razão individual inevitavelmente acaba levando ao desprezo soberbo pelo conhecimento adquirido lentamente, à duras penas, pelas inúmeras gerações que nos antecederam.

Acessar essa herança, naturalmente, não é uma tarefa simples e fácil. Dá trabalho e, no frigir dos ovos, não rende dividendos financeiros nem honoríficos. Agora, afirmar-se como “sujeito que pensa com a própria cabaça” é muitíssimo mais fácil e, como tudo que tenha esse tipo de feitio, acaba sendo mais danoso para nossa alma e para as gerações vindouras.



Na melhor das hipóteses, podemos acabar, como se diz, reinventando a roda; no pior dos cenários, podemos fazer como Maximillien de Robespierre e instaurar o terror em nome da virtude e, assim, tentar parir o novo homem e construir uma futura nova sociedade supostamente virtuosa [que nunca chegará].

Então deveríamos nos negar a possibilidade de acolher as mudanças que se apresentam? Não. Depende do que seria a mudança. O que o olhar conservador nos convida a fazer é tomarmos uma grande dose de prudência e a necessária e indispensável reverência por todos aqueles que, enquanto gigantes do passado que resistiram ao tempo, nos oferecem e, deste modo, sentarmos respeitosamente sob seus ombros, para podermos enxergarmos numa lonjura maior.

Infelizmente, desejosos que somos por ver tudo melhorar o mais rápido possível, acabamos por pensar e agir de modo afobado e, por isso, de maneira inconsequente. Por estarmos muitas vezes atolados no cronocentrismo, acabamos por desdenhar o conhecimento adquirido e testado no correr de milénios em nome de modismos que, por sua própria natureza, passarão. Passarão, mas deixarão para as próximas gerações um imenso rastro de destruição.

Quem viver verá os próximos capítulos dessa tragicomédia.

Fim do causo. Hora do café.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela, em 14 de março de 2019,
natalício do filósofo e sociólogo Raymond Aron e do embaixador brasileiro José Osvaldo de Meira Penna;
morte de Karl Marx.
Site: http://sites.google.com/view/zanela/

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