REFLEXÕES CONSERVADORAS # 03
“O que realmente importa é sermos
originais”. Vai nessa. Toda vez que entregamo-nos a essa conversa fiada
terminamos por agir e pensar como um tonto de marca maior.
Um bom exemplo disso, não o
único, é quando vemos uma e outra alminha dizendo que pensa com a “própria
cabeça”, que não perdem seu tempo papagaiando as ideias de outras pessoas e
blábláblá.
Lindas essas figuras. Lindíssimas.
Mas o interessante nesse tipo de atitude, tão corriqueira em nossa sociedade
modernosa, é verificarmos que aquilo que o indivíduo crê ter matutado, com
grande originalidade, com seus próprios miolos, em regra é a mesmíssima
patacoada que é repetida praticamente por todas as almas desavisadas.
Por esta e outras razões, que um
caipora que prima pelo cultivo dum olhar conservador sobre a vida, procura
evitar a sanha voluptuosa pela originalidade, da mesma forma que o encardido
evita a cruz.
Seguindo com o entrevero, uma das
principais raízes das tragédias que assolam o mundo moderno é uma encrenca que
nos impele a procurar a tal da “originalidade” que convencionaremos chamar de
cronocentrismo. Este, por sua deixa, nada mais seria do que a crença de que a
nossa época seria o centro da história, que vivemos no momento mais propício de
todos os tempos e que nós, os moderninhos e progressistas, seríamos as pessoas
mais lindas e fofas de todas as Eras.
Com base nessa visão da
realidade, não poucos se viram autorizados e, por que não, impelidos a quererem
arrumar tudo o que estava errado na sociedade, inclusive mudar a natureza
humana.
Isso mesmo. Quando falamos que
esses indivíduos agiam a agem movidos pelo desejo de “arrumar” tudo o que está
errado, estes não tem o intento de apenas reformar a sociedade, mas sim, criar
uma nova sociedade e um novo homem.
Não preciso nem dizer, mas vou:
essa sanha [inconfessa] é a base de todos os totalitarismos que atormentaram o
século XX e que assombram a centúria atual.
Não é à toa que em todos os
cantos, frestas e buracos, encontramos inúmeros caboclos que celebram a quebra
dos costumes, tradições e tabus como se fosse um grande avanço.
Não há dúvida alguma que é motivo
de júbilo que certos costumes tenham erodido e caído em desuso, porém, por
imprudência progressista, motivada pelas crenças e crendices modernas (de que
tanto nos adverte Martin Lings), acabamos por sepultar inúmeros hábitos que,
por certo, não deveriam ter sido abandonados.
Se fôssemos colocar na ponta da
caneta todos os hábitos que foram desdenhados em nome dos modismos modernosos e
de ideias progressistas veremos, com assustadora clareza, que a demolição foi
muito mais danosa que profilática.
Não apenas isso. Como nos lembra Theodore
Dalrymple, os destruidores de tradições costumam destruir muito mais do que
aquilo que eles presumem conhecer e, por isso, acabam por arrasar muito mais do
que eles realmente desejavam, pois, tais pessoas se viam motivadas pelas mais
benfazejas intenções, porém, de boas intenções e ignorância presunçosa, como
todos nós bem sabemos, os círculos do inferno estão cheios até a tampa.
Doravante, além de termos essa
perda, acabamos nos defrontando com outra, que é a perda da noção de
continuidade que nos é oferecida pela cultura; e isso é tão importante para a
estabilidade das instituições da sociedade quando para auxiliar os indivíduos
na ordenação de sua alma e bem como para que, indivíduos e sociedade, possam
encontrar um sentido para a existência, levando-os a perceberem-se enquanto
integrantes duma comunidade de almas imortais, como bem nos ensina Santo
Agostinho.
Levando isso em consideração,
Russell Kirk nos chama a atenção para o fato de que os “revolucionários bem sucedidos conseguem apagar os antigos costumes,
ridicularizar as velhas convenções e quebrar a continuidade das instituições –
motivo pelo qual, nos últimos tempos, eles têm descoberto a necessidade de
estabelecer novos costumes; mas este processo é lento e doloroso; e a nova
ordem social que eventualmente emerge pode ser muito inferior à antiga ordem
que os radicais derrubaram em seu zelo pelo paraíso terrestre”.
Ora, subjacente a nossa herança
cultural, boa ou má, temos milênios de experiência que, por prudência, não deveriam
ser abandonados. Já os trejeitos modernos, de última hora, que foram maquinados
a toque de caixa, por um punhado de diplomados, contam apenas com uma promessa
duvidosa sustentada por pretensas convicções “científicas” que merecem todo o
nosso ceticismo.
Pois é. Todo diabo novo vem com
um punhado de manhas e truques que nós desconhecemos por completo; já os
encardidos antigos, nossos velhos conhecidos, não nós surpreendem tanto.
Conhecemos bem suas artimanhas e, por isso, torna-se mais fácil nos escudar
delas.
Os costumes que herdamos, nós os
conhecemos bem, razoavelmente bem; agora esses que estão sendo inoculados, por
intermédio dos modismos politicamente corretos, que dão forma a educação
contemporânea, são verdadeiras camas de gato, cujos nefastos efeitos já estão
sendo colhidos e conhecidos por nós, mesmo que ainda não os reconheçamos como
frutos dos esforços que foram movidos na direção de derrubar todos os tabus e
tradições.
Enfim, não queiramos ser
originais. Tentemos, na medida do possível, sermos sensatos e, por isso,
prudentes.
Fim. Pausa para o café.
Escrevinhado por
Dartagnan da Silva Zanela, em 14 de março de 2019,
natalício do filósofo e
sociólogo Raymond Aron e do embaixador brasileiro José Osvaldo de Meira Penna;
morte de Karl Marx.
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