ENTRE A BARBEARIA DO POP E A SALA DE AULA
O amigo leitor, bem
provavelmente, já deve ter assistido ao seriado Luke Cage, da Netflix. Logo no
início da primeira temporada, o seriado nos brinda com algumas cenas que,
pessoalmente, considero muitíssimo relevantes para matutarmos algumas questões
que afligem aqueles que atuam na seara da educação.
Luke trabalhava, e praticamente
morava, na barbearia do Pop. O velho barbeiro era uma espécie de autoridade
moral do bairro. Todos o respeitavam, inclusive os mafiosos.
Dentro da barbearia, que era uma
espécie de santuário de civilidade, havia uma regra fundamental, que dava
sustentação a inúmeras outras e que, por isso, permitiam que a barbearia fosse
o santuário que era.
Naquele local não era permitido
falar palavrões, muito menos partir para a porrada.
Se alguém falasse uma besteira
dentro da barbearia, ou ousasse agir de modo mais ríspido com outra pessoa,
bastava o Pop olhar que todos sabiam qual era a punição: colocar um dólar num
vidrinho que ficava numa bancada.
Na verdade, não era necessário
que ele ou alguém olhasse. Todos conheciam, entendiam e respeitavam a regra. A
civilidade dependia disso.
E era muito interessante, e ao
mesmo tempo engraçado, ver aqueles homenzarrões baixando a bola sem pestanejar
e, cientes do malfeito, colocarem uma cédula dentro do vidrinho.
Essas cenas, ao seu modo,
apresentam aos nossos olhos duas pedras fundamentais para a edificação dum
ambiente civilizado: a presença duma autoridade moral reconhecida e
reverenciada, juntamente com a existência de normas vivas, sustentadas com a
aplicação de sanções claras e objetivas.
Agora, quando voltamos nossos
olhos para o sistema educacional brasileiro, e para a sociedade dum modo geral,
aí são outros quinhentos, infelizmente. Mas, no momento, procuraremos
restringir o traçado de nossas reflexões apenas dentro das cercanias do sistema
de ensinação verde/amarelo.
Primeiramente, não podemos nos
dar ao luxo de esquecer que a noção de autoridade, dentro do sistema educacional,
foi sendo corroída, de dentro pra fora, através da implementação de concepções
pedagógicas equivocadas que inspiraram e fundamentaram as políticas públicas
que se fazem vigentes em nosso país já há algumas décadas.
Hoje, apenas vivemos o cume desse
processo de degradação. Aquele que um dia foi chamado, com toda honorabilidade,
de mestre, hoje é apresentado como um reles facilitador.
Vejam só como são as coisas. Numa
época em que a linguagem encontra-se corrompida até o tutano, nunca uma palavra
foi tão precisa para descrever o estado de decomposição em que se encontra aquilo
que, um dia, foi a tal da autoridade professoral. Imagino que os defensores
desse tipo de estrovenga, não tinham parado pra pensar nisso.
Quanto aos limites, esses foram
para as cucuias, diluídos gradativamente sob o augúrio de subterfúgios
[supostamente] inclusivos. A consequência dessa dissolução, inevitavelmente,
foi a deformação total do ato de educar.
Na barbearia do velho Pop, a punição
era clara e objetiva; por isso, todos sabiam o que significava aquele ambiente
e reconheciam a autoridade daquele bom barbeiro.
No sistema educacional brasileiro
a figura é bem diferente. A reprovação sinalizaria ao jovem um limite que foi
ultrapassado por ele; apontaria para o fato dele não ter preenchido os
pré-requisitos mínimos para poder avançar e que, por isso, ele estaria tendo a
oportunidade de poder re-provar que ele é capaz de fazer aquilo que é certo.
É. Seria assim, porém, desde
muito, a palavra reprovação foi coberta por camadas e mais camadas de
pressupostos pedagógicos - deformados ideologicamente sob as bênçãos do Patrono
da educação desse triste país - que acabaram reduzindo a reprovação a um suposto
“processo de exclusão”.
Aí, não é à toa que temos o
vexame que, praticamente, há muitos anos vem se repetindo: aprovações
[praticamente continuadas] mediante subterfúgios mil para poder apresentar
números bonitinhos para os ingleses e demais estrangeiros verem e fingirem que
creem.
Vale lembrar que toda a
destruição do formalismo que garantia minimamente a autoridade professoral e o
decoro do espaço escolar, não nos levou, em nem poderia levar, a construção dum
ambiente com relações informais “humanizadas”, “democráticas” e profícuas. Não,
porque aquilo que não tem forma não é informal, mas sim, amorfo. E, tudo que é
amorfo, se for largado ao Deus dará, tende apenas a deformar-se. E essa
deformação acaba criando um clima de anomia que, com o tempo, acaba se tornando
a nova norma. Pois é. Esse tempo chegou.
Imagino que os defensores dessas práticas
inovadoras não pensaram que tal populismo pedagógico acabaria por excluir
gerações e mais gerações do acesso real ao universo do saber, agrilhoando-os na
condição de analfabetos funcionais devidamente diplomados.
E os resultados do PISA estão aí
para atestar essa tragédia.
Que fazer? O que fazer diante dum
cenário como esse? Confesso, não sei. Na verdade até sei, mas estou plenamente
cônscio de que me encontro de mãos atadas, podendo apenas escrevinhar sobre
isso, num ato de confissão de minha total impotência diante do quadro dantesco
que, bem ou mal, faço parte.
Escrevinhado por
Dartagnan da Silva Zanela, em 12 de dezembro de 2019, dia de Nossa Senhora de
Guadalupe.
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