PONTOS E BORDADOS



A ordem social equilibra-se sob uma delicada coluna. Se ela ruir, as bestas que habitam nosso íntimo irão mostrar suas presas e garras sem o menor pudor. Para que isso ocorra, basta que o medo seja cevado, diariamente, com o ancinho da histeria calculada no coração das pessoas e, em pouquíssimo tempo, teremos a derrocada da ordem da vida e a ruína da nossa alma.

[i]
Em momentos como esse, onde a regra mor é gerada por informações truncadas em misto com um punhado de boas e más intenções, lembro-me com clareza cristalina das palavras do meu velho professor de estatística que, no começo dos anos noventa, semanalmente nos dizia, ao fim de cada aula: "lembrem-se tigrada! A estatística é a prostituta da matemática. Com ela você é capaz de demonstrar qualquer absurdidade como se fosse a coisa mais razoável do mundo". Pois é. Ele estava certíssimo. Que senhora quenga é essa tal da estatística.

[ii]
Viver um dia de cada vez. Faz um bom tempo, muito tempo, que adoto essa orientação para o passo cambaleante do meu viver sem, necessariamente, perder de vista a amplitude do horizonte que está, todo dia, radiante diante de nossa fronte. E carrego essa orientação comigo, como se fosse uma bússola existencial, porque estou mais do que convencido de que o grande desperdício duma vida não está nos grandes feitos que não foram realizados por nós, mas sim, na atenção que não damos, no amor que sonegamos aos nossos, por julgarmos que não temos tempo suficiente para viver um momento de cada vez.

[iii]
Não consigo deixar de maquinar em minha cumbuca algumas comparações do quadro atualmente vivido por nós com algumas das cenas e imagens da Revolta da Vacina de 1904. Não estou afirmando que as duas são idênticas ou que estamos tendo a reencenação da mesma peça no palco da história do nosso triste país. Não. É claro que não. Mas que há uma e outra passagem que são muito, muito parecidas há. Tão parecidas que chega ser ridículo. Se alguém tiver interesse, e estiver disposto a rir e passar um pouquinho de raiva, sugiro a leitura da obra do historiador Nicolau Sevcenko sobre a referida revolta ocorrida no começo do século XX.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela.

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