PAREMOS DE NOS PREJUDICAR COM TANTO GOSTO
Uma “parada” que
com grande frequência vemos ser encenada neste grande anfiteatro que é nosso
triste país é aquela, onde pessoas, em idade adulta ou juvenil, se entregam
prazerosamente às delícias dos reclames coletivos sem fim.
Invariavelmente,
sempre há aquele que toma à dianteira e puxa o assunto, digo, inicia sem parar
e sem cansar o rosário de lamúrias e, num estalar de dedos, muitos passam a
acompanha-lo nessa infindável prece dos suplicantes invencíveis e insaciáveis.
Reclama-se de
tudo, de todos e, se bobear, de mais alguma coisa cuja existência ainda não
tenha sido percebida pelos viventes sofredores que se portam, nessas ocasiões,
de modo similar às carpideiras portuguesas.
Então quer dizer
que os reclames e queixas devem ser excluídos de nosso dia a dia? Não. Não é
bem assim e não é disso que estamos falando.
Reclamar,
protestar, lamentar e tutti quanti são elementos integrantes de nossa vida. O
ponto é que tais atitudes, penso eu, não poderiam ser vistas como sendo o
centro de nossa existência, nem como a parte mais elevada e digna de nossa
vida, principalmente se levarmos em conta que até uma criança de colo é capaz
de fazer isso.
Sim, lamentar,
protestar, reclamar e demais coisinhas análogas, acabam sempre tomando um
determinado lugarzinho em nossa vida. A pergunta, sobre isso, que não quer
calar é a seguinte: pelo que lamentamos? Em nome de que protestamos? Em prol de
que reclamamos? Sim, há coisas pelas quais devemos lutar, porém, há inúmeras
outras que é vergonhoso cogitarmos a possibilidade de reclamar [1].
Pois é. E se
fôssemos levar todos esses questionamentos em consideração, com a seriedade e
serenidade que eles solicitam, vergonhosamente chegaríamos à conclusão de que boa
parte de nossas queixas, além de exageradas, são infundadas [2].
Bem, mesmo que
não levemos nada disso em consideração, há outro ponto que, francamente, considero
impressionante: como podemos reclamar tanto, com tamanha profusão, constância e
multiplicidade e, ao mesmo tempo, não nos dispomos a resolver nem mesmo um
cadinho dessa montoeira de problemas e tretas que despejamos, em toda parte, nos
momentos descarrego coletivo de nossas frustrações e angustias, reais e
ficcionais. Como? Eis a questão que não quer ter sua boquinha costurada de jeito
maneira.
Não há dúvida
alguma que o que leva as pessoas a procederem desse modo varia muito. Muito
mesmo. Porém, sejamos francos: qual a importância disso? Nenhuma. São apenas
motivos tão irrelevantes quanto o amontoado de lamúrias insolúveis que acumulamos
no fundo do nosso coração demasiadamente humano [3].
Caramba! Mas
como podemos resolver essas encrencas que nos cercam e terminam por habitar o
íntimo de nossa alma? Não resolvendo.
Isso mesmo. Resolvemos
tudo isso renunciando, abnegadamente, a participar desses rituais de
comiseração coletiva e, também e principalmente, dos momentos de auto piedade
solitários que cultivamos. Procuremos fazer outra coisa, alguma coisa útil e
boa, pouco importando o que seja, para que passemos a nos preocupar com algo que
não seja fruto do nosso umbigo [4].
Procedendo
assim, com o tempo, acabaremos aprendendo coisas novas, estaremos sabendo fazer
algo novo e, sem nos darmos conta, estaremos resolvendo problemas que até a
véspera nos pareciam insolúveis [5].
É isso. Por ora
é isso.
Escrevinhado
por Dartagnan da Silva Zanela, em 06 de fevereiro de 2020, dia de São Paulo
Miki, São Pedro Batista e companheiros.
__________
[1] FARHAT,
Emil. O país dos coitadinhos. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1966.
[2] PENNA, José
Osvaldo de Meira. Decência Já. Rio de Janeiro: Editora Nórdica, 1992.
[3] PONDÉ, Luiz
Felipe. A Era do ressentimento. São Paulo: Editora Leya, 2014.
[4] COSTA,
Marcos Roberto Nunes. A dialética das duas cidades na Teologia/Filosofia da
História de Santo Agostinho. In: REVISTA VERITAS – Vol. 43, n. 04
(dezembro/1998). Porto Alegre: PUC/RS.
[5] GIUSSANI,
Luigi. Decisão para a existência. São Paulo: Editora Companhia
Ilimitada, 1991.
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