E O QUE RESTA AO FINAL É APENAS PÓ
Vaidade das
vaidades, tudo acaba sempre terminando nisso, principalmente numa época como a
nossa, onde as pessoas desacreditam tanto na ação de Deus como na existência do
mal, ignorando os subterfúgios mil que são utilizados para que as maledicências
acabem deitando profundamente suas raízes em nosso coração para que dê ignóbeis
frutos pútridos e, ainda por cima, que tais frutos sejam vistos por nós, apresentados
para todos, e esfregados na Sagrada Face de Deus, como se esses fossem as coisas
mais lindas do mundo [1].
Talvez, por
isso, Chesterton [2] certa feita havia dito, com aquela ironia que lhe era tão
peculiar, que o problema do homem moderno, descrente, não é que ele não
acreditasse em Deus, mas sim, que ele acaba sempre acreditando em qualquer
coisa. Partindo dessa constatação feita pelo volumoso escritor, tão volumoso
que não tinha lado, não temos como não concluir que, mais uma vez, ele estava coberto
de razão, principalmente quando voltamos nossos olhos para a cena contemporânea
onde as crendices mundanas não economizam forças para avacalhar com a fé Cristã.
De fato, não são
poucos aqueles que acreditam que poderão construir um mundo mais fofo, sem
necessariamente negar a si mesmo.
Negar-se,
significa rejeitar essa barda tremendamente feia que temos de considerarmo-nos
pessoas muito boas, muitíssimo boas e perfeitinhas, ao contrário de nossos desafetos
que, a nosso ver, são tudo quanto há de ruim nesse mundo [3].
Sei que não
fazemos isso com todas as letras e as claras – apesar de ter muitos que fazem
isso com a maior cara de pau. E como há gente com esse tipo de cara de pau. Mas
prefiro crer que tais almas fazem isso sem se tocar do baita papelão que estão
fazendo.
Dum modo geral, quando
acreditamos nessa cantilena, acabamos por repetir ideias, ideais e cacoetes
mentais, mundanos e midiáticos, para obter os aplausos das multidões secularizadas
que, por sua deixa, nos levam a crer que somos realmente a imagem que
cultivamos de nós mesmos e, fazemos isso, por meio de inúmeros artifícios e
dissimulações verbais que fomentam em nosso âmago as mais variadas arapucas
psicológicas.
Bem, é
justamente aí que reside um dos muitos ardis que nos condenam a sermos almas
vis e dissimuladas [4].
Sim, é muito bom
que queiramos nos tornar pessoas melhores, que almejemos servir ao próximo, não
há dúvida alguma quanto a isso. Porém, com frequência acabamos por produzir uma
autoimagem de nós mesmos que nos ilude, que nos leva a crer que somos ela e a
nos satisfazer com isso.
Pior! Projetamos
nossa imagem moralmente confusa sobre a face de Deus e passamos a querer exigir
que todos cultuem essa imagem mutilada por nós como se fosse a “verdadeira face”
do Altíssimo sem, é claro, nos flagrarmos da baita soberba que isso é.
Já repararam
como muitas vezes procedemos assim? Construímos uma imagem que gostaríamos que
os outros tivessem de nós e de Deus e, sem nos darmos conta, acabamos
acreditando que somos essa imagem e passamos a nos preocupar muito mais com a
manutenção dela do que em nos esforçarmos para sermos minimamente bons [5].
Essa preocupação
que muitas vezes manifestamos em querermos parecer - como direi - limpinhos, sempre
está de mãos dadas com o impulso de projetarmos sobre os outros rótulos que não
são nem um pouco dignificantes, e isso apenas denota o quão artificiosa é a nossa
personalidade e o quanto estamos sendo vaidosos [6].
Talvez, um bom
exemplo disso que estamos apontando seja o hábito cultivado por algumas pessoas
de perguntar, cinicamente, aos seus desafetos coisas como: o que será que Deus
pensa disso que você está fazendo? E se Jesus voltasse hoje, Ele aprovaria o
que você é?
Perguntas bonitinhas,
porém, tremendamente ordinárias, similares o caso da oração do fariseu e do
publicano no Templo (LUCAS XVIII, 09-14).
Quando o sujeito
procede desse modo, tal qual o fariseu, ele acaba se sentindo grato consigo
mesmo, superior, por acreditar que é muitíssimo melhor que seus desafetos.
E a cena se
repete ainda hoje e, imagino eu, continuará a se repetir até o final dos
tempos. Aí estão os enxovalhos promovidos contra o Cristo, realizados neste e
noutros carnavais, que dão testemunho do que estamos dizendo.
E tem outra, meu
caro Watson: se Nosso Senhor Jesus Cristo retorna-se hoje, com toda certeza ele
me reprovaria. Reprovaria a mim e a você, cara pálida, não apenas os meus e os
teus desafetos, porque, por mais que neguemos em nosso coração, todos nós somos
míseros pecadores. Todos. A diferença é que os simples de coração sabem que são
pecadores e rezam pelos seus desafetos e os autoproclamados tolerantes torcem
pela condenação eterna dos seus inimigos ao mesmo tempo em que acreditam tolamente
que não existe esse trem chamado pecado [7].
Por isso,
abandonemos essa soberba ridícula e rezemos pelos nossos inimigos e desafetos; rezem,
porque, no fundo, nenhum de nós sabe claramente o que está fazendo.
Para não mais
tomar o seu tempo, lembremos que o fato de sermos pecadores não é o fim da
picada. É apenas parte do nosso babado existencial.
Sê-lo é a razão
pela qual Cristo Jesus veio a este mundo. O que, de fato, clama aos Céus é a
forma vaidosa e soberba com que transformamos nossos pecados de estimação num
projeto de vida, numa causa política, numa bandeira ética.
O Verbo divino
se fez carne e habitou entre nós para que conhecêssemos a verdadeira face de
Deus e do homem para que, dentro de nossos limites e com o auxílio da Graça
divina, procuremos nos assemelhar a Ela e não para torturarmos Nosso Senhor
para que ele tenha as feições de nossa ignóbil figura [8]. Fazer isso,
caríssimos, é vaidade, e da brava.
Enfim, as cinzas
que dão início ao Tempo Quaresmal podem nos ajudar a lembrar de que todo esse
nosso apego mundano, que transforma nossa vaidade numa espécie de filosofia de
vida às avessas, não passa de uma triste autoimagem que nos cega, que nos leva
a ficarmos apegados a uma ilusão e, se a ela continuarmos agarradinhos com
unhas e dentes, ao final seremos apenas pó e sombras, apartados da Graça que
nos eleva e nos redime. Graça essa que foi derramada sobre nós através do
preciosíssimo sangue de Nosso Senhor [9].
Escrevinhado
por Dartagnan da Silva Zanela, em 24 de fevereiro de 2020, dia de São Sérgio e
São Lázaro.
__________
[1] LARRAÑAGA,
Inácio. Mostra-me o teu rosto. São
Paulo: Editora Paulinas, 1975.
[2] CHESTERTON,
Gilbert Keith. Ortodoxia. São Paulo:
Editora Mundo Cristão, 2012.
[3] SANTO
AGOSTINHO. Confissões. São Paulo:
Editora Abril Cultural, 1999.
[4] SÃO SERAFIM
DE SAROV. Instruções espirituais –
diálogos com Motovilov. São Paulo: Editora Paulinas, 1989.
[5] PONDÉ, Luiz
Felipe. Crítica e profecia – a filosofia
da religião em Dostoiéviski. São Paulo: Editora Leya, 2013.
[6] MERTON,
Thomas. A Igreja e o mundo sem Deus.
Petrópolis: Editora Vozes, 1970.
[7] VIEIRA,
Padre Antônio. Sermões de quarta-feira
de Cinza. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.
[8] LARRAÑAGA,
Inácio. O silêncio de Maria. São
Paulo: Editora Paulinas, 1977.
[9] SANTOS,
Mário Ferreira dos. Cristianismo – a religião
do homem. Bauru: Editora EDUSC, 2003.
Adoro suas postagem amigo.
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