MAS QUE BARBARIDADE
Uma das atitudes
mais infantis que podem ser manifestas por uma pessoa é aquela onde ela
considera algo impensável, ou impossível, simplesmente porque ela não é capaz
de realizar isso ou aquilo que ela considera improvável.
Não é capaz e,
muitas vezes, não está nem um pouco disposta a esforçar-se para tornar isso, ou
aquilo, realizável.
Tal atitude,
muito comum no universo infantil, é muitíssimo similar diante da forma como
muitos malham, com o porrete do relativismo, a procura pelo conhecimento da
verdade.
Podemos dizer
que, ao seu modo, o relativismo cultural, que roga aos quatro ventos que não
existe verdade alguma, mas tão somente “verdades”, replica, com alguma
elegância, esse simplório estratagema tão mimado quanto infantil.
Não estamos
dizendo que o conhecimento da verdade é algo simples. Pelo contrário. Ele é bem
problemático. Porém, proclamar que a verdade não existe, de modo algum, resolve
os problemas inerentes a sua procura [1].
Para sermos
francos, o relativismo cultural, com sua aparente vestimenta de tolerância,
acaba por encobrir inúmeros problemas que, inevitavelmente, levam os indivíduos
a cair numa profunda confusão. Numa confusão cognitiva, moral e espiritual.
(i)
Uma dessas
confusões, que se faz muito presente, é a confusão que muitos indivíduos fazem
entre a realidade e o que nós pensamos a respeito dela.
Sim, não há
dúvida alguma que os juízos que emitimos sobre algo acabam por moldar nossa
percepção sobre o mesmo; porém, tal moldura que impomos a nossa percepção, de
modo algum, poderia tomar o lugar daquilo que está diante de nossos olhos [2].
Ou seja: o
relativismo, com suas supostas boas intenções, acaba por justificar uma visão
egolátrica da realidade, ao mesmo tempo em que se apresenta, fantasiosamente,
como sendo o caminho para a construção duma gentil visão multifacetada.
Pois é. Infelizmente
isso ocorre muito. Vale lembrar que, sim, há sempre algum elemento subjetivo,
por isso, arbitrário, em nossa percepção da realidade; tendo isso em vista, é indispensável
que cultivemos uma grande dose de prudência para que possamos, em meio a
tropeços e quedas, discernir entre o que é real e aquilo que seria uma reles
projeção de nossa imaginação deseducada [3].
(ii)
Quando nossa
imaginação é deformada pelos estereótipos do momento presente e pelas
ideologias reinantes, pouco importando qual seja a ideologia, ela, nossa
imaginação adoentada, acaba limitando nossa capacidade de compreensão, porque
tudo que está para compreensão, primeiramente deve estar disposta para a
imaginação, e se essa não é, como direi, educada, tudo o mais ficará truncado.
Trocando em
miúdos: aquilo que nós não somos capazes de imaginar como possível, nós não somos
capazes de conceber como compreensível.
Quando nosso
esquema imaginativo limitado não é capaz de abarcar as inúmeras complexidades
duma determinada realidade, canalhamente alguns optam por deformar a realidade
para fazê-la caber e encaixar em nossa esquemática cumbuca.
Essa impostura
relativista em muito nos lembra aquilo que Chesterton [4] afirmava a respeito
da diferença que há entre o gênio e o louco.
O primeiro,
segundo ele, procura ampliar a sua mente para poder abarcar o mundo, pois ele
nunca se esquece que é ele que está no mundo. Já o segundo, mutila o mundo para
melhor encaixá-lo em sua cuca, porque ele acredita que este é apenas, e tão
somente, uma construção social [5].
Sim, meu caro
amigo, há aspectos da realidade que são social e historicamente concebidos,
porém, a realidade como um todo não é uma construção social. E tem outra: o que
você pensa ser uma construção deste gênero, muitas vezes, nada tem que ver com
a realidade. Nada mesmo.
Detalhe
importante: qualquer um de nós pode acabar caindo nessa arapuca. Qualquer um. Quem
nunca caiu que atire a primeira pedra. Para tanto, basta que procedamos de modo
leviano e imprudente e, num mundo afobado e ansioso como o atual, isso não é
muito difícil de acontecer não. Por isso, caríssimo, o cultivo da dita cuja da
virtude da prudência é algo fundamental em nossa vida [6].
Outro detalhe
importante: quando, de maneira afobada e leviana, tomamos partido sobre isso ou
aquilo, sem querer querendo, acabamos por nos comprometer, muitas vezes, com
uma baita patacoada e aí, para nos libertarmos dessa encrenca, teríamos que ter
um profundo senso de responsabilidade, e uma boa dose de humildade para
reconhecermos, para nós mesmos, que erramos, coisa que, como muito bem sabemos,
frequentemente não acontece; e aí bonitão, por vaidade, acabamos comprometendo
nossa inteligência, justificando para nós mesmos, das mais variadas formas, que
o erro não é assim tão errado, porque consideramos tudo, tudinho, relativo,
menos, é claro, o nosso turvo ponto de vista. Tudo, menos a certeza de que
estamos sempre com a “razão”.
Isso não é
engraçado? Não. É, como diria seu Omar: “Hum! Trágico!” Principalmente porque
os devotos do relativismo não veem, e não querem ver, a encrenca que se faz
presente em seu indisfarçável desprezo pelo conhecimento da Verdade que, o
tempo todo, bate nas portas de nossa percepção.
Escrevinhado
por Dartagnan da Silva Zanela, dia 03 de fevereiro de 2020, dia de São Bras.
__________
[1] MARIAS,
Julian. Introdução à Filosofia. São
Paulo: Livraria Duas Cidades, 1985.
[2]
MARLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o
espírito. São Paulo: Editora Perspectiva, [s/d].
[3] LAUAND,
Jean. Saber decidir: a Virtude da
Prudentia. Disponível na internet: http://hottopos.com/
[4] CHESTERTON,
Gilbert Keith. Ortodoxia. Cajamar:
Editora Mundo Cristão, [s/d].
[5] BERGER,
Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção
social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Editora
Vozes, 1985.
[6] LAVELLE,
Louis. A consciência de si. São
Paulo: É Realizações, 2014.
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