NÃO HÁ ROSAS SEM ESPINHOS
Quando uma
palavra passa a ser utilizada a todo o momento e em qualquer ocasião isso não
significa, necessariamente, que a realidade a qual ela se refere passou a
existir de forma onipresente; muito pelo contrário, essa repetição enjoativa é
um forte indicador de que a realidade, que seria referida pela dita palavra, se
tornou ausente entre as pessoas.
Se pararmos pra
refletir sobre a forma intensa e contínua que a palavra educação toma conta dos
discursos de nossas autoridades, no modo como esse vocábulo é exibido em
inúmeras inserções nos veículos de mídia e tutti quanti, se pararmos para
considerar a quantidade de instituições de ensino que existem (em todos os
níveis e na forma presencial, à distância e similares), e considerarmos o quão
grande é a carência da tal educação no bojo de nossa época e no âmago de nosso
ser, constataremos, num piscar de olhos, que, ao seu modo, o velho filósofo
Alemão Arthur Schopenhauer estava coberto de razão quando disse que quanto mais
mal educada é uma sociedade, mais escolas ela tem [1].
Quanto ao tal do
amor não é muito diferente disso não. Para todos os cantos que volvemos nossos
ouvidos, lá estão às canções, preleções, alocuções, gritos histriônicos e
similares, despejando borbotões e mais borbotões de palavras emaçarocadas com o
vocábulo amor e, de forma parecida com a educação, temos aí outra grande
ausência em nossa sociedade.
Detalhe
importante: não confundamos, em hipótese alguma, bom mocismo meloso com amor.
Aliás, esse tipo de associação risível, a meu ver, é um dos mais sérios
sintomas que indica uma profunda incompreensão do que seja, de fato, amar e
educar.
Naturalmente,
existem muitas complicações que brotam desse tipo de confusão que se estabeleceu
sobre o que é o tal do amor e a respeito da dita cuja da educação; por isso,
procuraremos nos ater tão somente a uma delas que, penso eu, tem uma relação
direta com a tragédia que hoje impera em nossa triste sociedade. Seria a
confusão que se estabelece entre o que seja o amor e o que seria tão somente o
amor próprio [2] e a relação disso com o sistema de educação vigente em nosso
país já há algumas décadas.
Amor, por
definição, é um ato de doação de atenção que fazemos ao bem amado; quando
colocamos no centro de nossas preocupações [3] algo que consideramos mais do que
a nós [4]. Quando somos capazes de nos sacrificar pelo bem daqueles que amamos
é aí, é justamente aí, que realmente estamos a amar.
Nesse sentido, o
amor não pode ser, de modo algum, confundido com um mero sentimentalismo
barato, recoberto ou não com todos aqueles trocadilhos politicamente corretos
que adoecem e estragam tudo que tocam com seu marxismo cultural de terceira
mão.
Não pode ser e
não o é porque o amor, antes de qualquer coisa é um estado do ser [5], uma
disposição que nos leva e compreendermos que alguém, ou algo, é mais importante
do que nossos rasteiros desejos desordenados.
O amor, por sua
natureza, nos auxilia na arrumação de nossos impulsos, na hierarquização de
nossos desejos e paixões em favor da realização do bem amado [6]. E, naturalmente,
procedendo assim, acabamos nos tornando pessoas melhores, mais dignas e, quem
sabe, boas.
Quando amamos
uma pessoa, sem querer querendo, procuramos nos tornar uma pessoa melhor para
sermos dignos dela. Quando amamos um trabalho, nos esforçamos para nos tornar
alguém que esteja à altura dessa atividade. Quando amamos as obras de um autor,
ou uma série de televisão, nós procuramos lê-la ou assisti-la com toda atenção
e deferência que nos é possível, porque queremos, com todas as forças do nosso
ser, fazer parte daquilo que está sendo contado para nós.
Nesse sentido,
amigo leitor, é que o amor é indissociável da edificação da personalidade de um
indivíduo, da educação de uma pessoa.
Se seguirmos por
essa via, constataremos que é justamente aí que está um dos grandes gargalos de
nosso sistema educacional.
Infelizmente, os
parâmetros de nosso sistema de ensinação são calcados nessa confusão bestial
que se estabeleceu entre amor e amor próprio que, por sua deixa, leva os
indivíduos a afundarem-se no mais tosco egocentrismo e no mais vil hedonismo.
Abre parêntese:
egocentrismo e hedonismo que, muitas vezes, se apresentam vestidos com os
andrajos de supostas preocupações sociais que mal conseguem esconder a
egolatria que está sendo gostosamente cevada no coração humano. Fecha
parêntese.
Ora, quando se
repete aos quatro ventos que a educação deve sempre ser realizada de forma
lúdica porque ela deveria ser prazerosa, com o perdão da palavra, é porque o
conhecimento a ser apreendido, que deveria ser o foco de nossa atenção, foi
subtraído [7] e, em seu lugar, foi colocado o infante, com seus impulsos e desejos
desordenados, como centro.
Bem, fazendo
isso, a consequência não poderia ser outra senão a substituição da preocupação
para com o aprendizado do que está sendo ensinado pela apreensão para consigo
mesmo, se isso ou aquilo está sendo chato ou não.
Pois é. Já
repararam que nas últimas décadas a preocupação central dos burocratas e dos
doutos em educação tem sido tão só e simplesmente a mutilação da educação para
transforma-la em algo “legalzinho” ao invés de se preocupar em fomentar um
aprendizado eficaz, eficiente e efetivo? Em momento algum é cogitado a
obviedade das obviedades: amar exige sacrifícios de nossa parte e,
necessariamente, aprender algo, também, porque aprender é amar.
Ponto importante:
aprender a amar, aprender a renunciar a primazia de nossos desejos desordenados
é algo que se aprende com o tempo, com muitas dificuldades, pois, naturalmente,
oferecemos resistência a isso. Podemos dizer, sem medo de errar, que muitas
vezes aprendemos o que é certo da pior maneira; que somos civilizados meio que
a contragosto [8].
Se fôssemos
resumir o entrevero poderíamos fazê-lo mais ou menos assim: a gurizada entra
num sistema educacional onde tudo deve se adaptar aos seus caprichos e que eles
não têm que se adaptar a nada; os infantes são colocados num circuito onde,
praticamente, pouco importa o que ele faça, o abençoado não ouvirá praticamente
nenhum não amoroso – uma reprovação - para ele tomar um rumo apropriado; os
curumins são inseridos numa plataforma onde, a priori, nada poderá frustrá-los
para, como dizem os amados e idolatrados especialistas, não traumatiza-los;
enfim, os mancebos são ensinados desde tenra idade a verem-se como centro de
tudo e isso, francamente, é um ato de profunda crueldade para com eles, porque
leva-os a confundir o que é o amor com essa tranqueira que é o amor próprio, movendo-os,
muitíssimas vezes, a cair num profundo vazio existencial, numa baita falta de
sentido [9], simplesmente porque nós nos negamos a educa-los, não ensinamos a
eles o que é amar, por preferirmos parecer “bonzinhos” e “legaizinhos” na fita.
Enfim, nas
últimas décadas, conseguimos estragar tudo simplesmente por não sabermos a
diferença efetiva que há entre fazer o bem e parecermos bonzinhos.
É isso. E que
Deus tenha misericórdia de todos nós.
Escrevinhado
em 17 de fevereiro de 2020, dia dos sete Santos fundadores da Ordem dos
Servitas.
__________
[1] ARTHUR,
Schopenhauer. A arte de escrever.
Porto Alegre: Editora Lp&M, 2007.
[2] GILSON, Étienne.
Introdução ao estudo de Santo Agostinho.
São Paulo: Editora Paulus, 2007.
[3] CAMÕES, Luiz
Vaz de. Sonetos. Disponível na
internet: http://dominiopublico.gov.br/
[4] SANTO
AGOSTINHO. As Confissões. São Paulo:
Editora Abril Cultural, 1998.
[5] CARVALHO,
Olavo de. Da contemplação amorosa.
Disponível na internet: http://olavodecarvalho.org/
[6] TREZE, Leo. A fé explicada. São Paulo: Editora
Quadrante, [s/d].
[7] CARVALHO,
Olavo de. Educação. Palestra
proferida em Guarapuava no Hotel Kuster (setembro/2000).
[8] HAYEK,
Friedrich. Os Fundamentos da Liberdade.
Editora Visão, 1983.
[9] JORDAN,
Peterson. Doze regras para vida – um
antídoto para o caos. Rio de Janeiro: Editora Alta Books, 2018.
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