PRUMO TORTO, CAMINHO TURVO
Uma
arte, toda e qualquer arte, nada mais é do que uma tradição que reúne certos
procedimentos e métodos que auxiliam os indivíduos, que aderem à prática dessa
tradição, a realizar uma determinada perfeição [1]. Nesse sentido, educar,
antes de qualquer coisa é uma arte. A sutil e delicada arte, que tem como
perfeição a ser atingida, propiciar o encontro entre duas vontades; uma
desejosa por ensinar algo e outra ciosa para aprender esse algo [2].
Mas
quais seriam os recursos que deveríamos ter em mãos para poder cultivar essa
arte? Bem, isso pode variar muito de contexto para contexto, porém, há alguns
elementos que, no meu entender, são indispensáveis e desses, gostaria de
destacar dois: a autoridade professoral e o cultivo dum conjunto claro de
regras que tenha por objetivo estimular os indivíduos, professores e alunos, a
caminharem numa mesma direção.
Cônscios
dessas duas encrencas, recorramos à máxima de Jack e sigamos por partes para
desenrolar esse carretel.
Se
há algo que todos nós estamos cientes, carecas de saber, é que impera na
sociedade atual uma tremenda crise de autoridade. Não apenas da professoral,
mas principalmente dela.
Todavia,
esse é um ponto que praticamente ninguém gosta de abordar porque ele é
tremendamente espinhoso.
Umas
das razões para que ajamos feito Pilatos diante desses dois problemas é porque
teríamos que fazer um questionamento tremendamente incômodo a respeito dos
pressupostos pedagógicos que estão subjacentes a essa corrosão que hoje pesa
sobre o professorado.
Sim,
toda ação humana tem uma teoria subjacente a ela que a justifica e que lhe
apresenta as diretrizes que irão nortear aqueles que estão praticando-a.
Podemos até desconhecer a teoria que embasa aquilo que fazemos com garbo e
elegância, mas isso não significa que não estejamos realizando o que é traçado
por essa teoria que, pragmática e tolamente, ignoramos.
Detalhe:
esse tido de desconhecimento é algo que, infelizmente, acontece em muitíssimo
dos casos.
Nesse
sentido, muito do desmonte que foi sendo realizado, gradativamente, da
autoridade professoral se deve as concepções pedagógicas e a visão de mundo do
professor, digo, educador, Paulo Freire.
Visão
de mundo e concepção pedagógica que se veem refletidas, há décadas, nas
políticas públicas para educação, na forma como muitos a veem e, é claro, enquanto
ideal norteador e inspirador para muitas pessoas bem intencionadas e, por isso
mesmo, seja tão difícil para alguns refletir com serenidade sobre o legado
deste homem.
Para
não dizer que sou implicante com o homem que, diga-se de passagem, era um bom
orador, vejamos alguns aspectos de sua visão sobre a autoridade professoral
frente ao fazer educativo.
Segundo
o senhor Freire, os professores identificam a autoridade do saber com sua
autoridade funcional, autoridade essa que seria desempenhada por eles e que,
por sua vez, segundo Freire, se oporia antagonicamente à liberdade dos alunos
e, desse modo, os infantes acabariam se adaptando às determinações arbitrárias do
ensinador, e isso, a seu ver, não seria nem um pouco bom [3].
Trocando
em miúdos, a priori o professor seria uma espécie de opressor, uma extensão
maquiavélica do sistema que ali estaria para oprimir o aluno. Ou seja, sem
querer querendo Freire acabou adaptando, duma forma desajeitada, a visão da
luta de classes marxista à relação professor/aluno [4]. Não é à toa que hoje
muitos veem uma reprovação como sendo sinônimo de “exclusão social”.
Doravante,
o digníssimo educador argumenta que o professor deveria tornar-se cônscio de
que não apenas educa os infantes, mas que, enquanto faz isso, ele também é
educado num diálogo onde ambos acabam se tornando sujeitos ativos, crescendo
juntos, colocando por terra os argumentos de autoridade e, desse modo, a
autoridade seria exercida junto com a liberdade, não contra ela [5].
Sim,
verdade seja dita: todos nós aprendemos o tempo todo, a todo o momento e com
qualquer um, porém, aprender continuamente não é sinônimo de educação. E tem
outra: o que torna esse dito curioso é que essa constatação acaba singrando na
direção da ideia de que “ninguém educa ninguém”. Ou, como o mesmo diz: “Ninguém
educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo” [6].
Pois
é. Mas para um curumim, que não está há muito neste mundo, e bem como para um
jovem, que já se imagina muito experiente, a presença duma autoridade mediadora
que o oriente nessa jornada, que lhe transmita segurança e inspire confiança, é
de fundamental importância.
Se
isso não ocorre, goste-se ou não, os papéis podem facilmente ser invertidos e,
ao invés de se ter o exercício da autoridade do professor a orientá-los,
ter-se-á o autoritarismo caprichoso de burocratas que confundem a realidade com
estatísticas [7] andando de mãos dadas com a displicência manhosa duma multidão
de indiferentes dissimulados que lavam as suas mãos na bacia dos hipócritas.
Diante
do exposto, vale lembrar que torna-se visível que na obra do referido professor
há uma profunda confusão entre o que seja o exercício da autoridade e a prática
do autoritarismo [8]. Sim, uma coisa, necessariamente, nada tem que ver com a
outra, mas, muito disso se deve ao profundo caráter político/ideológico que se faz
presente em sua pedagogia que, diga-se de passagem, é algo destacado e elogiado
pelos seus discípulos, que não são poucos, e admiradores, que são muitos, como
sendo o maior legado do mesmo para a educação [9].
Não
apenas isso. Nos anos 80 do século passado, Paulo Freire assumiu a pasta da
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (1989 – 1991) e implantou o “o
sistema de progressão automática” - ou “o sistema de progressão continuada” -
que, segundo os especialistas, não seria, de jeito maneira sinônimo de “aprovação
automática” [10]. Mas é.
Bem,
essa ideia, progressista e boazinha, lá pelos idos de 1996, se alastrou por
todo sistema educacional brasileiro e, admita-se ou não, tomou conta dele,
feito uma erva-daninha em terreno baldio [11]. Aqueles que estão em sala de
aula sabem muito bem do que estamos falando.
Para
encurtar o causo, nunca é demais lembrar que não apenas os atos têm
consequências; as ideias também [12]. Responsabilizar os autores dum erro é
fácil, porém, responsabilizar os idealizares dele é uma tarefa muito mais
complicada, tendo em vista que, por imediatismo pragmático, nos recusamos a
realizar o ingrato labor de rastrear as causas duma encrenca dessa monta.
Sim,
sei também que, para muitos, isso não é nem um pouco fácil, tendo em vista a
admiração que nutrem por esse senhor.
E
tem outra: não estou afirmando que devemos jogar toda sua obra na lata de lixo
e esquecê-lo por completo. Isso seria outro erro que poderia abrir as portas
para outros equívocos; entre eles, repetir os mesmos erros que já foram
cometidos sob a inspiração dos freirianos.
Apenas
digo e repito: temos, urgentemente, que rever os pressupostos que estão levando
a educação brasileira naufragar; pressupostos que legitimaram a corrosão da
autoridade professoral e degringolaram as regras para a edificação dum ambiente
que realmente propicie esse encontro entre aqueles que querem ensinar com
aqueles que desejam aprender.
Nesse
sentido, admita-se ou não, todos os caminhos levam aos equívocos propostos por
senhor feição simpática e ideias transloucadas.
Não
estou sugerindo que deveríamos abraçar os últimos modismos. Não mesmo.
Sugiro,
apenas e tão somente, que lembremos que um professor é necessariamente uma
autoridade e, como tal, deve ser tratado; que todo aluno, sim, traz consigo
alguns saberes, mas que, por definição, tem muito que aprender; e que
reprovação não é exclusão social, apenas uma admoestação para chamar a atenção
do infante que está se desviando do rumo do aprendizado.
Resumindo:
se não revitalizarmos esse espaço, os aprendedores continuarão desacreditados e
os ensinadores permanecerão desanimados e sem muitas esperanças.
Enfim
e por fim, se continuarmos a fechar nossos olhos para esse problema,
continuaremos marchando, com passos largos, para o brejo. Enquanto persistirmos
em partir de pressupostos comprovadamente equivocados, por mais boa vontade que
tenhamos, continuaremos a colher frutos nada alvissareiros nessa grande lavoura
que é a educação.
Escrevinhado
por Dartagnan da Silva Zanela, em 19 de fevereiro de 2020, dia de São Conrado e
São Bonifácio.
__________
[1]
ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.
[2]
HUGO DE SÃO VITOR. Didascalicon – a arte de ler.
[3]
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Editora Paz e Terra,
1987.
[4]
GIULLIANO, Thomas. Desconstruindo Paulo Freire. Disponível na internet: http://lelivro.love/
[5]
Da mesma obra mencionada. (FREIRE, 1987).
[6]
Da mesma obra mencionada. (FREIRE, 1987).
[7]
GUENON, René. La crisis del mundo moderno. Disponível na internet: http://archive.org/
[8]
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra,
1997.
[9]
GADOTTI, Moacir. PAULO FREIRE – uma biografia. São Paulo: Cortez
editora, 1996.
[10]
Progressão continuada começou em SP com Paulo Freire. In: FOLHA DE SÃO
PAULO. 02 de janeiro de 2003. Disponível na internet: https://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u12207.shtml
[11]
CONSTANTINO, Daiana. "Aprovação automática ainda é tema de debate entre
especialistas". In: GAZETA DO POVO - 24/08/2017. Disponível na
internet: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/aprovacao-automatica-ainda-e-tema-de-debate-entre-especialistas-50g4j8ovqo2mqd8v3xgiljt4p/
[12]
HAYEK, Friedrich. O caminho da servidão. Porto Alegre: Editora Globo, 1977.
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