AS SOMBRAS NO CANTO DO QUARTO
Há uma grande tensão dialética
entre a memória e o esquecimento; e, em meio a essa tensão vivemos, existimos e
somos. Somos aquilo que insistimos em lembrar e, também, tudo aquilo que teimamos em
esquecer.
Os elementos esquecidos,
desdenhados, acabam se tornando pontos cegos que tem um peso brutal sobre nós.
Sérgio Buarque de Holanda, no
“Livro dos Prefácios”, diz-nos algo muito interessante a respeito dessas paradas. Segundo
ele, a memória seria similar a uma lanterna acesa dentro de um galpão escuro. Com a luz
do foco podemos alumiar um e outro canto do galpão, mas não temos como iluminar
todo o seu interior. Quando a lanterna está focada num ponto, todo o restante
fica imerso nas trevas e estas, por sua deixa, acabam tendo um grande
peso sobre nossa imaginação que, inevitavelmente, terminam por turvar a nossa
visão sobre o pouco que vemos com o auxílio da parca luz da lamparina.
Sejam esquecimentos coletivos,
que pairam sobre a memória comum duma sociedade, sejam esquecimentos
individuais, que turvam nosso olhar sobre a nossa biografia, aquilo que
ignoramos sempre terá um peso imenso sobre nossas ações, pensamentos e sentimentos, um peso muitíssimo
maior do que aquilo que nós sabemos.
Nesse sentido, Thomas Sowell nos adverte,
não uma única vez, dizendo que nossas decisões sempre são tomadas a partir dum
pequeno fragmento da realidade conhecido por nós e, por isso mesmo, ele não
via e não vê com bons olhos as tentativas simplistas de querer explicar toda a
realidade a partir dum punhadinho simplório de palavras ideologicamente
deformadas.
Sendo assim, mudar o foco da
lanterna de nossa consciência é algo fundamental para podermos ter uma visão
mais [como direi] lúcida da quadra temporal em que estamos inseridos, para
termos uma noção minimamente razoável donde estamos para, dese modo,
sabermos para onde estamos indo e, dependendo para onde estivermos rumando, podermos
tentar mudar o curso de nossas ações.
De mais a mais, mudar o foco não pode
ser sinônimo da emissão dum juízo de aprovação ou de reprovação frente ao que
estamos vendo, mas sim, de descrição e avaliação do que estamos testemunhando,
como diria Pierre Bourdieu, para, quem sabe, sabermos ao menos o que está
acontecendo de fato e, assim, traçarmos uma tática apropriada para
enfrentarmos esta ou aquela situação com a maior astúcia possível, como diria Michel de
Certeau.
Obviamente que isso não tem nada
que ver com a posição política que tenhamos. Aliás, essa desmensurada
preocupação com a posição que devemos ou não tomar em matéria política, com o perdão da palavra, é
fetiche sadomasoquista. Antes disso, penso que devemos saber onde estamos para
não acabarmos numa situação similar à da personagem de uma das músicas da banda
“Mamonas Assassinas”, aquela que foi convidado para uma tal de suruba.
Bah! E como tem gente nessa onda. Mas, fazer o quê? O que é do gosto é regalo da vida, não é mesmo? Enfim, que siga o baile.
Escrevinhado por
Dartagnan da Silva Zanela,
em 27 de junho de 2019.
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