SOB O OLHAR DE ANÚBIS
Uma das cenas, que se faz presente em
muitas passagens da literatura universal, no cinema e bem como nos desenhos animados,
é aquela onde um indivíduo tem a possibilidade, mágica, de poder realizar alguns
dos seus desejos. É. A primeira imagem que vem à nossa mente é a de Aladim com
o gênio da lâmpada mágica. Bem, mas ela não é a única e, para ser franco, não é
a respeito disso que essa escrevinhada se propõe a parlar. Essas linhas
dispõem-se a apresentar algumas considerações, mesmo que desajeitadas, sobre os
bens fundamentais que movem as almas para uma e outra direção.
Dito isso, “vamo que vamo”. Se nós
voltarmos nossos olhos para todas as grandes tradições, particularmente para as
tradições egípcia, grega, judaico-cristã, islâmica e hindu, teremos a descrição
da existência de quatro bens fundamentais. Estes, seriam fundamentais, pelo fato
de que se nós pudéssemos tê-los em grandessíssima quantidade, nós ficaríamos faceiros
da vida com isso.
Nesse sentido, a sabedoria dos
antigos nos ensina que tais bens seriam, em ordem crescente de importância, a
integridade física (saúde), os prazeres, a liberdade e o conhecimento.
Sim, eu sei que você deve ter
pensado no tal do dinheiro, mas dinheiro não é um bem em si; é um meio para
obtermos aquilo que realmente pode ser tido na conta de um bem.
Para infelicidade geral do gênero
humano, nós não podemos ter acesso a todos esses bens ao mesmo tempo e aos borbotões.
Podemos até sonhar com isso, só que não dá pra realizar não.
Podemos dizer que a constituição de
cada um dos seres humanos, inclusive a nossa, é muito similar àquelas cartinhas
de tazo que vinham como brinde nos salgadinhos da Elma chips. Havia um conjunto
de atributos e, cada carta, cada personagem, dispunha duma certa quantia desses
atributos numa determinada proporção. Haviam cartas mais poderosas, outras
menos, algumas medianas, mas não havia uma que possuísse plenamente todos os
atributos ao mesmo tempo, ou uma personagem que fosse plena em todos os
quesitos.
Bem, assim somos nós. Desejamos ter
saúde, gozar a vida, sermos livres e termos conhecimento, porém, todavia e,
entretanto, não desejamos todas essas coisinhas com a mesma intensidade e, em
regra, uma delas acaba sendo o objeto constante e central em nossas vidas, tornando-se,
ao seu modo, o elemento norteador de nossa caminhada por esse vale de lágrimas,
definindo nossos objetivos, delimitando os nossos sonhos e motivando as nossas
ações.
Uma pessoa, por exemplo, que tem no
íntimo de seu coração a procura pelos prazeres, pouco importando quais sejam eles,
não se preocupará muito em mandar a sua saúde às favas, não se importará muito
em tornar-se um escravo de suas sensações e, possivelmente, estará se lixando
para o procura pelo conhecimento. O que realmente importará para ele é poder desfrutar
daquilo que, como tais pessoas dizem, seria “o que há de bom na vida” e, por isso,
abrem mão da sua vida, para viver um simulacro de vida.
Outro exemplo: imaginemos uma
pessoa que tenha seu coração animado pela manutenção de sua saúde e beleza
física. Uma pessoa dessa estirpe, não se importa muito em abrir mão de certos
prazeres, não se preocupa tanto se sua liberdade estará sendo ou não cerceada e
não quer nem saber das implicações possíveis de suas escolhas. Não. O medo da perda
dos meios para a manutenção de sua vida, e bem como o temor de perder a própria
vida, são tão grandes que faz esse tipo de sujeito abriria mão da sua vida para
manter isso que ele está chamando de vida.
Agora, imaginemos uma pessoa que
guie seus passos por esse vale de lágrimas tendo como estrela guia a tocha flamejante
da liberdade, ou a pira ardente do conhecimento. Tal pessoa, sem pestanejar,
abriria mão dos fugazes prazeres dessa vida, e não temeria perde-la, porque o
que realmente a anima é o amor à liberdade, no primeiro caso, e a procura
amorosa pela verdade, no segundo.
Detalhe importante navegante:
liberdade não é fazer o que se quer, como todo bom adolescente mimado, crescido
ou não, pensa.
Ser livre é encontrar-se com o seu
dever existencial, com aquilo que só você pode fazer e assumi-lo em sua vida
como sendo algo que é muito mais nós do que nós mesmo e, quando encontramos
isso, nos tornamos verdadeiramente livres, tendo em vista que as forças miúdas
desse mundo não mais serão capazes de nos melindrar. Podem até nos tirar a
vida, nas não são capazes de aplacar nossa vontade de viver.
Em resumidas contas, penso que se levarmos
em consideração esses apontamentos colhidos junto dos jardins dos antigos,
compreenderemos com grande clareza porque, na sociedade contemporânea, se exalta
tanta a importância pela procura e pelo cultivo da saúde e dos prazeres, porque
se exalta tanto o culto desses fossem ídolos ocos, toscos e tolos.
Na verdade, é assim que se cria uma
sociedade de escravos que ama seus senhores e idolatra os seus grilhões.
Por isso, penso eu, que as palavras
que foram ditas diante dos portões de fogo pelo rei Leônidas de Esparta, ao
mensageiro Persa, seriam incompreensíveis para indivíduos que carregam em seu coração
uma paixão agigantada por esses dois ídolos. Tais pessoas não entenderiam
porque alguém preferiria morrer em pé do que viver de joelhos.
Também, o filósofo brasileiro Mário
Ferreira dos Santos, seria outro incompreendido. Esse, pouco antes de morrer,
pediu para que seus dois genros o levantassem de seu leito para que, em pé, ele
rezasse um Pai Nosso porque, segundo ele, um homem deve morrer em pé.
E diante desses dois gigantes fico
a me perguntar: o que eles diriam a nosso respeito? O quê? Melhor não perguntar.
Porém, podemos ao menos refletir
sobre a imagem dos últimos momentos da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, antes
da Sua agonizante morte no alto do monte Calvário. Podemos refletir sobre o que
o Verbo divino encarnado quer que aprendamos com a sua dolorosa paixão, qual
bem Ele espera que valoremos com todas as forças do nosso ser em nossa jornada.
E quanto ao resto? O resto acaba
sendo apenas quarentena forçada e hidroxicloroquina pra gente “de bem” e “do
bem” dormir em berço esplêndido.
Escrevinhado por Dartagnan
da Silva Zanela, em 14 de abril de 2020, dia de São Pedro Gonçalves Termo e de
Santa Ludovina.
Comentários
Postar um comentário