ROMA NÃO FOI FEITA EM UM DIA – PARTE II
Somente os tolos perdem a
capacidade de se surpreender. Nada os impressiona porque, para eles, tudo se
encontra devidamente encaixadinho e explicadinho em sua peculiar forma de
encarar a realidade e avaliar os fatos.
Tais pobres diabos, geralmente,
utilizam-se de três ou quatro caixinhas conceituais onde, forçosamente,
procuram classificar tudo o que existe, caindo involuntariamente numa condição absolutamente
caricata. Aliás, quem nunca...
Sócrates, Platão e Aristóteles, os
três porquinhos da filosofia, cada um do seu jeito, apontava para esse óbvio
ululante; de que a sabedoria começa com o espanto. Ora, se acreditamos que tudo
já está dado e explicado pela nossa diplomada ignorância o que teremos no lugar
do alumiar da procura pelo esclarecimento, será apenas as sombras daquelas
frases prontas que dão a impressão de dizer tudo ao mesmo tempo que nada
explicam.
Essa indisposição para o espanto,
esse medo de ser surpreendido, tem suas raízes profundamente calcadas em nossa
preocupação sonsa com a nossa imagem e, também, com a nossa estulta falta de
paciência.
Se nos preocupamos demasiadamente
com o que os outros irão falar a nosso respeito, nós não estamos, de fato,
interessados em compreender o que está acontecendo, ou em fazer algo acontecer,
mas sim, em receber a aprovação dos olhos cinicamente curiosos que empesteiam o
momento.
Se essa é a real preocupação que
habita o âmago do nosso coração, com o perdão da palavra, nós já fomos
devorados dos pés à cabeça pela besta da estupidificação, tanto individual
quanto coletiva.
De mais a mais, como nos ensina o
filósofo colombiano Nicolás Gómez Dávila, o sábio tem medo de ser tonto, já o
tonto tem medo de não parecer sábio.
Quanto a falta de paciência, penso
que a sabedoria popular é mais do que suficiente para nos puxar as orelhas de
todos nós, pois, como o mesmo nos ensina, quem tem pressa acaba comendo cru,
queimando os beiços e termina virando o pote.
Estamos muito acostumados, hoje,
com a velocidade com que as informações chegam até nós e com a forma rápida que
conseguimos nos comunicar e, sem nos darmos conta, acabamos por limitar nossa
capacidade de reflexão.
Conhecer algo, por menor que seja,
demanda tempo, por isso a paciência é fundamental no processo de compreensão de
qualquer coisa e o espanto, de certa forma, estoura o balão de nossa presunçosa
ignorância que quer porque quer ter a resposta pra tudo, o mais rápido
possível, com seus esquemas mentais tacanhos.
Pois é, mas a pressa nos distancia
disso dando-nos a sensação de que sabemos algo criticamente, porque
classificamos as manchetes das notícias com nossos cacoetes mentais e, ao fazer
isso, acabamos por projetar nossos desejos sobre os fatos, ao invés de
permitirmos que eles, os acontecimentos, se apresentem a nós, surpreendendo-nos
e mostrando-nos os possíveis desdobramentos que eles podem ter.
Tomemos como exemplo uma figura que
marcou a história do século XX. Winston Churchill. A imagem que temos desse
homem, hoje, é a visão que foi construída após a conclusão de sua vida, que
muitas vezes é resumida à luz dos grandes momentos que marcaram toda sua
jornada por esse mundo.
Agora, façamos um exercício
imaginativo, bem simples: imaginemos que nós somos contemporâneos de Churchill
e procuremos ver apenas alguns momentos de sua vida, isolados do conjunto de
suas realizações. Se fizermos isso veremos, com uma clareza cristalina, e com
grande surpresa, que o grande líder do mundo livre não foi, exatamente, no
correr de toda a sua vida, alguém minimamente próximo da imagem que hoje temos
dele.
Após a Segunda Guerra dos Bôeres
ele amealhou grande fama, pelo seu heroísmo em combate e por seus livros.
Dedicou-se a política e era visto, por muitos dos seus pares, como um deputado
de segunda categoria. Em meio a Primeira Guerra Mundial, comandou o 6º Batalhão
dos Fuzileiros Reais Escoceses e foi o principal responsável pelo desastre da
campanha de Galípoli, uma mancha que ele passou a carregar em sua biografia até
o fim dos seus dias e, obviamente, sua imagem, ficou mais depreciada ainda após
esse acontecimento trágico. E, mesmo assim, ele, o deputado de segunda
categoria de imagem chamuscada, tornou-se o Primeiro Ministro da Inglaterra
durante a Segunda Guerra Mundial.
Enfim, veremos que ele cometeu
inúmeros erros, alguns bem graúdos, outros nem tanto, mas esses, frente ao
conjunto de sua vida, não diminuem quem ele foi, nem maculam quem ele é.
Se tomamos, como de costume, esses
momentos isolados, alumiados pela imagem póstuma do sujeito, veremos o conjunto
dos feitos que formam quem ele se tornou frente a eternidade e perante a
história. Perfeito. Nada de errado com isso.
Agora, é interessantíssimo
procurarmos refletir sobre os dilemas que ele enfrentou em momentos diferentes
de sua vida, sejam eles venturosos ou desventurosos, e encararmos a imagem que
ele tinha perante a opinião pública do seu tempo, e entre seus pares em
diversos momentos para vermos do que é feito o dia a dia duma figura do seu
calibre. Dia a dia esse que, sejamos francos, não era nem um pouco doce.
Se fizermos isso, com paciência, e
permitirmos ser surpreendidos pelos fatos, veremos que para se chegar a imagem
póstuma do grande herói que ele é, o senhor Winston Churchill teve que viver
inúmeros dessabores em sua vida, que era mal visto por uma punhado imenso de
pessoas, motivo de chacota para outras mais, enfim, se formos sinceros conosco
mesmo, poderemos chegar a conclusão de que se nós, de fato, fôssemos
contemporâneos dele, possivelmente seríamos uma das almas sebosas que o enxovalhavam.
E tem outra: se estivéssemos no lugar dele, possivelmente não teríamos sido nem
um milésimo do que ele se tornou e Hitler teria sambado sobre Londres.
Guardada as devidas proporções, podemos
dizer o mesmo com relação aos acontecimentos atuais que estão sendo encenados no
teatro político brasileiro. Se tomarmos o momento atual isolado, nós teremos
uma imagem, fragmentada e limitada do conjunto da ópera da nossa história,
porque, como havíamos dito linhas acima, por falta de paciência, acabamos por
ver tudo não à luz da procura pelo esclarecimento, mas sim, à sombra dos cinamomos
midiáticos.
Que cada um tire a conclusão que
bem quiser sobre os últimos acontecimentos, é um direito que assiste a cada um
de nós. De minha parte, digo apenas que tem muita água pra rolar nesse entrevero
e, independente do desfecho dos atuais acontecimentos, Sérgio Moro, Jair
Bolsonaro e muitos outros, continuam sendo o que são e, principalmente, a
história continua seguindo seu rumo feito água de nascente de ribeirão e, por
isso, ela poderá nos surpreender, tanto para o bem, quanto para o mal.
Quem viver verá.
Escrevinhado por Dartagnan
da Silva Zanela, em 28 de abril de 2020, dia de São Luís Maria Grignion de
Montfort.
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