ENTRE UTOPIAS E DEVANEIOS
Certa feita um amigo, que estava
bebericando um cafezinho comigo no final duma tarde vadia qualquer, perguntou-me
porque tantas pessoas de bom coração depositam suas esperanças numa ideologia
política totalitária como o socialismo, sabendo que todas as vezes em que partidários
dela tomaram o poder o resultado ficou muito aquém do prometido e muito próximo
do irreversível. Pois é. Eis aí uma pergunta pra lá de macanuda.
Bem, há um livro do filósofo Mário
Ferreira dos Santos – Análise de temas sociais/Tomo II - onde o mesmo aborda
essa questão duma forma muito clara e direta. Mas, podemos aqui compartilhar
algumas ponderações a partir da referida indagação e com base na obra indicada.
Se perguntarmos a uma pessoa
qualquer, se indagarmos a nós mesmos, se o mundo é perfeito, por certo e por óbvio
que responderemos que não, tendo em vista que qualquer pessoa com o juízo no
seu devido lugar reconhecerá rapidamente que existem inúmeras injustiças nesse
vale de lágrimas e, diante dessa tela de pinceladas nada sutis, vem a pergunta
que, provavelmente, todos nós já fizemos a nos mesmos em algum momento da vida,
ou em várias ocasiões da mesma: o que eu posso fazer diante disso tudo? O que meu
Deus do Céu?
Diante duma inquietação dessa monta
temos uma gama significativa de respostas possíveis. Bem significativa, diga-se
de passagem.
Alguns procuram realizar pequenas
obras de caridade - dentro de suas limitações, ou indo além delas – para, se Deus
permitir, tentar aliviar o sofrimento de algumas pessoas. Tais indivíduos
reconhecem, com uma tristonha clareza, que eles não têm como mudar o mundo, mas
acreditam piamente que podem fazer algo minimamente bom e descente por alguém. E
esse pouco geralmente frutifica de maneira esplendorosa.
Há também aqueles que, com boa
vontade, querem ao menos corrigir algumas das imperfeições, não do mundo, mas
de sua cidade e, por isso, passam a atuar na arena política para, quem sabe, fazer
algo que elas consideram bom para o maior número possível de cidadãos. Bem, nem
sempre as intenções dessas almas se realizam do jeito que elas queriam.
Além dessas duas atitudes podemos
incluir uma terceira, que seria a manifesta por algumas pessoas que, diante dos
sofrimentos do mundo, inflam seus corações com uma imensurável indignação
devido a grande sensação de impotência que tais almas sentem frente a realidade
e, por isso, manifestam um desejo, confessável ou não, de mudar o mundo, de corrigi-lo.
Para tanto, seria imprescindível obter o máximo de controle sobre a sociedade,
sobre a vida de todos para que, no seu entender, nada fugisse aos parâmetros de
sua visão utópica de mundo.
Claro que isso tem tudo para não
dar certo. Não que todas as pessoas que fiem suas esperanças nesse tipo de concepção
política desejem o caos totalitário. Nada disso. Mas me parece que essa é a
consequência lógica inevitável e que, feliz ou infelizmente, é demonstrada pela
história.
Uma das grandes tragédias da
humanidade é que muitas vezes começamos a fazer algo bom, com boa intenção, mas
que, com o tempo, nossa obra acaba se tornando o contrário do que havíamos
sonhado. Quando isso acontece, temos apenas a possibilidade de corrigirmos nossos
tropeços se nos dispusermos a um imprescindível, profundo e sincero exame de consciência
e, após isso, reconhecermos que estávamos profundamente enganados em tudo,
praticamente tudo que acreditávamos e defendíamos. Pois é. E isso não é uma
tarefa nem um pouco fácil. Não mesmo.
Tal tarefa é assim, hercúlea,
porque nós nos comprometemos profundamente com essas crenças políticas,
investimos muito do nosso tempo e de nossas energias, tornando-as o centro de
nova existência e, desse modo, elas acabam dando um certo sentido escatológico
[secular] para a nossa vida. Ela se torna praticamente uma religião secular.
Pedir para que uma pessoa reconheça
que suas convicções políticas são um equívoco seria o mesmo que ela reconhecer
que, até ali, sua vida foi um grande engano e isso não é uma empreitada nem um
pouco simples.
Enfim, por essas e outras que é muito
mais fácil o indivíduo encontrar justificativas para os erros inerentes a sua
visão de mundo, e para os frutos pútridos dela, do que despir-se de seus
andrajos ideológicos diante da sarça ardente da realidade.
Escrevinhado por Dartagnan
da Silva Zanela, em 02 de junho de 2020, dia de São Pedro e São Marcelino.
Sempre excelente!
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