O QUE NOS FALTA E O QUE NOS SOBRA


Amor ou zombaria? O que o mundo merece receber? O que cada um de nós merece? Essas perguntas encontram-se presentes nas entrelinhas do “Diário” do monge trapista Thomas Merton. Amor ou zombaria? O que vai ser meu caro? Amor, sempre, sem esquecer de colocar uma boa pitada de escárnio, quando necessário for.

Eis aí a grande diferença que há entre aquilo que podemos chamar duma atitude madura, por isso crítica, frente à realidade, e uma atitude criticamente crica e, por isso mesmo, pueril, frente a tudo que não se encaixa direitinho em nossos estereótipos ideologicamente deformados ou não se alinha com nossa futilidade fundamental.

Saber apreciar a realidade e distinguir suas inúmeras nuanças com relativa acuidade é algo de demanda tempo, esforço, atenção, paciência e, é claro, muito amor pelo que se está fazendo; e isso, infelizmente, é algo que muitíssimas pessoas não estão dispostas a fazer. É algo que nós, muitas vezes, temos preguiça de realizar.

Roga a sabedoria popular que a atitude mais apropriada, diante de algo que não compreendemos, e que não pretendemos nos esforçar para entender, seria fechar o bico e ficar quietinho. Ficar silente, em respeito aos fatos e a verdade.

Pois é, mas quem disse que essa galerinha que tem asco ao esforço e a dedicação gostam de ficar em silêncio? Se gostassem disso, dedicar-se-iam ao aprendizado dalguma coisa com zelo e atenção.

Por isso, diante desse problema umbilical congênito, pessoas dos mais variados naipes furados, foram brindadas com a solução que, hoje em dia, faz o maior sucesso entre os inteligentes, inteligentinhos e inteligentões.

É simples: basta dizer que é uma pessoa crítica, que pensa [hum] com os próprios miolos, que é contra tudo que as pessoas chiques e diplomadas rotulam como sendo reacionário, pouco importando o que seja isso, para que o pacato cidadão sinta-se ungido para dizer tudo o que bem entender, parecendo bonitinho na fita com aquela pose de sabedor de tudo, sem nada aprender.

Quem olha para esse tipo de pose bonitinha, cheia de indignação afetada, tem a impressão de que essa pessoa tem um profundo compromisso amoroso com a verdade. Só que não. Tal atitude não passa de zombaria soberba frente à realidade, devido a um incorrigível amor-próprio. Ah! Sempre o dito cujo do amor-próprio.

Como nos ensina Santo Agostinho, essa tranqueira mata o amor à verdade, estrangula o amor devido a Deus e ao próximo que, no final das contas, é a expressão sublime daquilo que nos dignifica.

Quando deixamos de amar a procura abnegada pela Verdade, passamos a idolatrar a mentira confortável e, tal idolatria, na sociedade moderna, é identificada pelo epíteto bonitinho de “conscientização”. Conscientização crítica; é claro.

Reparem que esses zombadores, sem amor no coração, sempre estão muitíssimo mais preocupados com a sua autoimagem do que com a verdade dos fatos. Autoimagem essa que, no frigir dos ovos, oculta a triste realidade que há no âmago de sua alma imersa no lodo fétido da mediocridade reinante.

Para esses infames infelizes, imagem e autoimagem é tudo, por isso, a realidade dos fatos não passa dum detalhe que pode ser facilmente distorcido sob a máxima nietzschiana que afirma que eles, os fatos, não existem, que a única coisa que teríamos seria apenas e tão somente as interpretações.

Sim, existem muitíssimas interpretações, mas essas são explanações sobre algo que, por si, existe; e, se realmente amamos a verdade [a Deus e ao próximo], nós deveríamos nos embrenhar nesse cipoal de pontos de vista para encontrar o que há no centro da realidade.

Agora, se estamos preocupadíssimos com a imagem que os outros terão de nossa autoimagem, ao invés de amorosamente procurarmos o que está sendo ocultado pelas interpretações e deformações dos fatos, nós nos apegaremos unicamente a uma parte dessa deformação zombeteira da verdade, justamente aquela que melhor adorne o nosso figurino de cidadão criticamente crítico.

Enfim, nós merecemos, sim, sermos zombados pela verdade, pelos fatos, pela realidade; e somos achincalhados quando a realidade dos fatos esfrega em nossas ventas a verdade por nós ignorada pelo nosso ridículo amor-próprio.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela, em 02 de janeiro de 2019, dia de São Basílio Magno e São Gregório de Nazianzeno.

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Comentários

  1. Mais um texto excelente! Claro, na minha "criticidade crítica", rsrsrsrsrs 😉, percebi as entrelinhas que funcionam como rolo compressor conta a acriticidade ou leitura rasa da realidade.

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  2. Aliás, tu citaste dois autores que marcaram minha juventude: Agostinho de Hipona e Thomas Merton.

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  3. Fantástico, o amor é ferida que dói e não se sente, é para ser assim, Deus se torna perfeito assim, deixando à nós o tempo e a dor para lapidar o seu diamante que somos nós humanos .

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